sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O rádio na era da informação

Imagem ilustrativa, reproduzida do Google 
e postada pelo blog: "Sintonia Radiofônica".

INFORMAÇÃO E MAGIA
A nova era do rádio

O rádio na era da informação - teoria e prática do novo radiojornalismo, de Eduardo Meditsch, 304 págs, co-edição Editora Insular/Editora da UFSC - Florianópolis, 2001

Editado originalmente em Portugal, pela Editora Minerva, de Coimbra, O rádio na era da informação é resultado de tese de doutorado defendida por Eduardo Meditsch na Universidade Nova de Lisboa, em 1997, com o caudaloso título "A especificidade do rádio informativo: um estudo da construção, discurso e objetivação da informação jornalística no rádio, a partir de emissoras especializadas de Portugal e do Brasil em meados da década de 90". O livro sai agora no Brasil – país cuja bibliografia sobre jornalismo em geral, e jornalismo radiofônico em particular, é de uma pobreza próxima à franciscana. O trabalho de Meditsch constitui-se uma notável exceção a essa regra, em especial por dedicar-se a um meio – o rádio – tido como uma mídia menor pelos estudiosos mais apressados.

A seguir a entrevista de Meditsch, jornalista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, concedida, por e-mail, a Luiz Egypto, do OI. Na seqüência o texto da apresentação de O rádio na era da informação, por Alberto Dines.

O rádio é o patinho feio do universo dos media? Por quê?

Eduardo Meditsch – O rádio tem uma série de razões para aparecer como o patinho feio: é um meio invisível em plena era da imagem; um meio aparentado com a oralidade numa cultura onde o que vale é o escrito; um meio absolutamente fugaz numa civilização que prestigia a posteridade; e sobretudo um meio descentralizado, na contramão de um sistema econômico e político baseado na acumulação. Mas como bom patinho feio, o rádio também se revela cisne: permanece o meio com maior alcance de público, em números absolutos de audiência, e o meio que as pessoas mais usam, em horas de utilização por semana. Com a segmentação, continua sendo o melhor meio para atingir populações analfabetas e isoladas no meio rural, mas tornou-se também o melhor meio para falar com as elites urbanas do primeiro mundo O rádio é a principal fonte de informação dos norte-americanos (e provavelmente de muitos outros povos que não fizeram a pesquisa) no período matutino. E, quando ocorre uma catástrofe qualquer, seja humana ou natural, a informação radiofônica é a primeira que chega e a última que morre.

No que a informação jornalística veiculada pelo rádio pode diferenciar-se, para o bem ou para o mal, do jornalismo praticado em outros suportes?

E. M. – O rádio continua sendo "a cavalaria ligeira da informação", como definiu um autor italiano. Como em tudo que é feito em velocidade, isto representa uma grande vantagem e um grande risco. Por outro lado, a comunicação sonora, invisível e em tempo real, que entre os meios de massa só acontece no rádio, é extremamente emocional, não permite o mesmo distanciamento crítico. A emoção é importante para quebrar a indiferença do público, mas pode quebrar muitas coisas mais. O rádio também é o meio de comunicação com produção mais barata, e a sua viabilização com orçamentos reduzidos leva à distorção de produzir informação barata: a boa informação nunca é barata. E, embora a segmentação de audiência não seja invenção nem exclusividade do rádio, é uma característica incorporada ao radiojornalismo contemporâneo. Num país com uma situação de apartheid social como o Brasil, a diferença entre as informações recebidas pelos diversos segmentos da população não apenas contribui para ampliar o fosso como pode representar sério risco para a democracia.

A história mostra que uma mídia não elimina outra, por mais tecnologicamente "atrasada" que esta possa parecer – caso da pintura e da fotografia, do rádio e da TV, do livro e da internet. A pedra de toque parece estar na complementariedade dos meios, na sua convergência, e nos ganhos de qualidade informativa que possam promover nos diversos públicos, em particular os excluídos. Qual o papel do jornalismo radiofônico nesse processo? Como ser útil em meio à barafunda de possibilidades informativas à disposição das sociedades contemporâneas?

E. M. – Há hoje inúmeras possibilidades informativas, mas poucas estão imediatamente disponíveis quando estou tomando banho, realizando tarefas domésticas, produzindo trabalhos manuais ou dirigindo o carro num engarrafamento de trânsito. O tempo livre é cada vez mais escasso, e a facilidade de recepção neste contexto é que torna o rádio insubstituível até o momento. Por outro lado, no pólo da produção, qualquer âncora de radiojornalismo trabalha hoje apoiado não apenas por sua equipe própria de produção: no estúdio, de onde fala ao vivo, monitora a internet, a TV a cabo e a mídia impressa. O rádio se tornou a interface sonora da sociedade com este mundo de informação. Uma interface que poderia estar ao alcance também dos excluídos, mas não é exatamente o que ocorre numa segmentação orientada apenas pelo mercado: esta tende a reproduzir e a aprofundar a exclusão. Existem exemplos históricos, como o dos mineiros da Bolívia, e de várias outras experiências comunitárias, em que o rádio aparece como ferramenta extraordinária para a emancipação social e para a democratização. Mas para que funcione assim é necessário que se vá além da ditadura do mercado e dos estados que controlam as ondas. O fim da escassez de banda propiciado pelas novas tecnologias traz a esperança de que isso possa se tornar possível.

Qual a especificidade do rádio informativo ao refletir e refratar a realidade?

E. M. – O intuito do jornalismo é sempre o de refletir a realidade, mas a refração ocorre inevitavelmente em certo nível: a realidade é multiforme, processual, dialética, imparável e infinita; o seu relato jornalístico é estroboscópico, capta apenas momentos, recortes, determinados ângulos de observação. Esta refração ocorre em toda a mídia, mas a característica de cada meio faz com que seja diferenciada. Na mídia impressa, por exemplo, a periodicidade de cada órgão determina a forma como a realidade será recortada. Nos meios eletrônicos como o rádio, alcançou-se a simultaneidade do relato com o acontecimento, que era uma tendência do jornalismo apontada bem antes disso ser tecnicamente possível. Porém, com esta simultaneidade, quando se foca um evento particular, sempre em detrimento de outros, este ganha uma dimensão muito maior do que tem: o rádio amplia tudo o que cobre, porque só trabalha em primeiro plano. Também a invisibilidade do meio é uma limitação: nem tudo soa na realidade, é necessária a palavra do jornalista para guiar o ouvinte, como o cão do cego, numa confusão de ruídos – diferente do que ocorre (ou que deveria ocorrer) na TV.

Por outro lado, a palavra ainda é o instrumento intelectual mais poderoso de que dispomos: o rádio, que a isola como a literatura, se presta melhor ao pensamento abstrato. Mas o problema da recepção auditiva é proverbial: "o que entra por um ouvido sai pelo outro". A dificuldade do ouvinte em manter a atenção numa mensagem exclusivamente sonora leva a uma simplificação radical da linguagem que, embora não determine forçosamente uma simplificação de conteúdo, quase sempre acaba nela. Chaplin dizia que qualquer assunto, por mais complexo que fosse, poderia ser simplificado até ser compreendido pelo mais simplório dos homens, e dizia também que essa deveria ser considerada a mais elevada forma de arte. Infelizmente, com os salários que paga, o rádio não mantém muitos grandes artistas em seus quadros. A forma como refrata a realidade, por isso, não depende apenas das características e possibilidades do meio, mas também das condições com que é operado hoje.

A interatividade e a conectividade são duas revoluções; embora ainda em curso, deverão determinar os padrões de relacionamento interpessoal, social e mercadológico das próximas gerações. No que o rádio participa e influi nesse processo?

E. M. – O rádio, como primeiro veículo eletrônico, foi quem começou essas revoluções, na forma rudimentar do ouvinte ao telefone, que hoje se expande e se diversifica pelas novas possibilidades das telecomunicações. Esta questão, essencial para compreender o meio, é quase sempre obscurecida pela mitologia da "era de ouro do rádio", dos radio days localizados no passado. Pensamos no rádio como um veículo velho, quando ele é mais novo, por exemplo, que o cinema, e apoiado numa tecnologia mais avançada, já eletrônica. É preciso entender que a era do rádio é a era eletrônica, que não terminou – na verdade está apenas começando, o que explica a sua sobrevivência e a sua força atual. Desta forma, todas as possibilidades novas de uso da eletrônica, que aos poucos vamos descobrindo, vêm reforçar o rádio como mídia.

Mas para compreendermos isso também é preciso diferenciar o rádio enquanto mídia do rádio enquanto suporte de telecomunicação (as ondas de radiofreqüência). O rádio-mídia superou o rádio-telecomunicação, e hoje se apóia também em outros suportes, como o cabo e a internet. Já o rádio-telecomunicação nunca se restringiu ao rádio-mídia – antes dele já atendia, por exemplo, a navegação marítima, e hoje suporta as comunicações por satélite e os telefones celulares. Um é independente do outro.

Na produção informativa baseada em plataformas digitais multimídia, o receptor passa a ser o elo mais importante da cadeia, visto que tem o supremo poder da escolha e, ele próprio, pode transformar-se em produtor e difusor de informação. Como isso se aplica no âmbito do jornalismo radiofônico? Que tipo e que nível de interatividade o rádio pode suscitar?

E. M. – Na "teoria do rádio" que esboçou entre 1927 e 1932, Bertolt Brecht imaginou um meio em que o ouvinte fosse também emissor, mas acreditou que isso só seria possível com a superação da sociedade burguesa. A utopia de Brecht povoou o imaginário de quase todos os teóricos do rádio que vieram depois, e finalmente parecem estar dadas as condições técnicas para a sua realização, através da internet, mas no âmbito da mesma sociedade burguesa, já que o socialismo real se tornou ainda mais centralizador e cerceador da liberdade de expressão do que a burguesia do tempo de Brecht. As possibilidades de interatividade abertas pela eletrônica, no entanto, colocam novos problemas teóricos e práticos que estão longe de ser resolvidos.

Quanto ao controle da recepção, no rádio, como nos outros meios, o ouvinte poderá interferir de maneira crescente no conteúdo que recebe, mas a dúvida é até que ponto vai querer fazer isto. Há tempos já é possível a qualquer um fazer a sua própria programação musical no toca-fita ou no CD do automóvel, mas a maioria prefere receber um pacote musical pronto, elaborado por profissionais do rádio. E pensando no outro pólo, o da emissão, a possibilidade de ser feita por qualquer pessoa, que já está dada na internet a um custo bastante baixo, também carrega uma indagação: quem vai ouvir isto? E quem vai sustentar uma emissora que ninguém ou pouca gente ouve? A interatividade surgiu no rádio com o ouvinte intervindo por telefone, mas enquanto um ouvinte interagia, e assim se transformava em emissor, outros milhares o ouviam e permaneciam como receptores apenas.

A interatividade no rádio, do ponto de vista da possibilidade de emissão, tem estes limites lógicos: num canal, é impossível várias pessoas falarem ao mesmo tempo. Em resposta a isso, a tecnologia possibilita múltiplos canais, mas a audiência se pulveriza neste processo, ou simplesmente não o acompanha. Atualmente, a tecnologia parece avançar mais rapidamente do que a imaginação de seus usuários, e não sabemos ainda o que fazer com todas as possibilidades abertas por ela. Há muita idealização em torno da questão da interatividade, mas ainda há pouca criatividade efetiva neste campo.

A concentração planetária dos grupos de mídia em poucos conglomerados dá-se ao mesmo tempo em que montar uma pequena emissora de rádio – e nela incluir o jornalismo – deixa de ser um problema operacional grave, tanto em termos de custo como de aporte tecnológico. A nova era do rádio estará baseada nas pequenas emissoras com visão global e foco local?

E. M. – As grandes emissoras vão continuar existindo e dominando a maior parte da audiência, pois a concentração tende a criar emissoras mundiais e mais redes regionais e nacionais. Em contrapartida, o caminho está cada vez mais aberto para o surgimento de novas vozes no dial e na internet, muitas das quais podem vingar e tornarem-se alternativas sérias, tanto em nível local quanto mais amplo. Torcemos para que isso aconteça, mas por enquanto a sociedade não parece mobilizada nesta direção. Os setores que criticam, com razão, o oligopólio da mídia não têm sido muito capazes de construir alternativas, por mais acessíveis que elas tenham se tornado com o avanço tecnológico. O fim da escassez de banda – com a disponibilidade cada vez maior de canais – e a queda assombrosa dos custos de produção, com a digitalização dos equipamentos, deixa ao alcance de quase todos a possibilidade de ser ouvido, lido ou assistido, mas poucos estão aproveitando esta oportunidade.

O Observatório da Imprensa é uma exceção neste panorama: surgiu na internet com um conteúdo que a mídia tradicional se recusava a divulgar, garimpou o seu espaço e acabou ampliando-o para a TV pública, em rede nacional. Mas só conquistou isso porque manteve sempre um alto grau de profissionalismo, apesar de todos os obstáculos que enfrentou. Infelizmente, a maior parte das iniciativas de rádio alternativa não contam com uma equipe como a que o Observatório reuniu, e por isso não vingam. Além disso, uma emissora de rádio consome uma programação incessante, a dedicação da equipe tem que ser muito grande, e os obstáculos econômicos e políticos são ainda imensos. Mas mais cedo ou mais tarde as boas surpresas vão também aparecer aí: a Europa está cheia de exemplos de rádios concebidas como piratas que se consolidaram como emissoras paradigmáticas. A TSF de Lisboa, nascida da aventura de um grupo de jornalistas, tornou-se rede nacional e uma das melhores emissoras informativas do continente.

Qual sua avaliação sobre o jornalismo que hoje se pratica nas emissoras de rádio brasileiras? Por que apenas uma cadeia all news (CBN) está presente no dial?

E. M. – A emissora de rádio geralmente é a prima pobre dos conglomerados multimídia, o setor que movimenta menos dinheiro. Por causa disso, fica condenada a funcionar em situação um tanto precária. As condições de trabalho dos jornalistas de rádio são em geral piores do que a de seus colegas de outros meios, assim como a sua remuneração é inferior. Em consequência, o produto está longe de ser o ideal. No Brasil, há um evidente subaproveitamento das potencialidades do meio, embora muita gente competente e de talento persista trabalhando no rádio, tirando leite de pedra e dando nó em pingo d’água. Os orçamentos a que os profissionais são submetidos muitas vezes são desproporcionais: as rádios jornalísticas faturam bem, costumam atrair bons anunciantes com o seu prestígio, mesmo quando não têm grandes audiências. A Rádio Gaúcha, por exemplo, é o segundo veículo eletrônico do Rio Grande do Sul em faturamento, perdendo apenas para a RBS TV, que transmite a Globo, e ficando à frente de todas as outras televisões do estado, embora não tenha o primeiro lugar de audiência em AM.

Em relação às cadeias nacionais, elas demoraram para se implantar no país devido ao tamanho do território e à precariedade das telecomunicações, mas tendem a se expandir com a ampliação e o barateamento do uso dos satélites. A CBN saiu na frente porque partiu já de uma estrutura montada em vários estados pelo Sistema Globo, consolidou-se com a crise das concorrentes no Rio e em Brasília, mas não tem a mesma penetração em praças com tradição regional de radiojornalismo – como Belo Horizonte e Porto Alegre. Todas as grandes rádios jornalísticas do país, e não apenas as de São Paulo, trabalham hoje com a perspectiva de se tornarem cadeias nacionais, mas esbarram nas tradições e nos sotaques regionais, que são muito arraigados nas diversas "escolas" de rádio deste país imenso.

É inegável o componente mágico do rádio, tal qual você expressa no seu livro, quando escreve: "A ação à distância, sem contato físico evidente, a invisibilidade, o poder encantantório da palavra e da música são efeitos que continuam a desafiar o imaginário social do final do século 20". Esse componente seria capaz de repetir, hoje, a performance de Orson Welles ao dramatizar no rádio, em 1938, A Guerra dos Mundos, do inglês H. G. Wells? Entraríamos em pânico com medo dos marcianos?

E. M. – Em outro livro, Rádio e Pânico, de que fui co-autor além de organizador, avaliamos a experiência radiofônica de Orson Welles, 60 anos depois de sua emissão, e alguns especialistas levantaram esta hipótese de repetição, provavelmente não mais com marcianos, que já não nos assustam, mas com a notícia forjada do choque iminente de um asteróide, por exemplo. Certamente, a magia e o poder mobilizador do rádio causariam, mais uma vez, muitos estragos, como aliás tem acontecido sempre que A Guerra dos Mundos é imitada pelo mundo afora. É claro que a dimensão do desastre dependeria de fatores externos ao rádio, inerentes ao contexto, como os que concorreram para os efeitos do programa em 1938, nos Estados Unidos. Outro especialista que participou daquele livro, no entanto, aventou a hipótese do "primeiro de abril" vir agora pela internet, que tem um tipo diverso de poder encantatório. O certo é que a velha magia do rádio continua vigente e muito forte nestes tempos de ceticismo: basta considerar que a informação radiofônica tem mais credibilidade do que a dos outros meios, segundo pesquisas realizadas em diversos países.

Texto reproduzidos do site: observatoriodaimprensa.com.br

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